O motor da nossa História
Na verdade, o que ocorre é que as idéias ajudam os fatos com a força dos argumentos e contribuem assim para decifrá-los, adicionando-lhes um sentido e uma extensão muitas vezes ignorada até pelos seus protagonistas. Não raro esse processo exerce uma influência decisiva no passo seguinte da história, quando o frescor de novos acontecimentos vai gerar, sucessivamente, outras reflexões que ajudarão a empurrar a aventura humana um pouco mais adiante.
Esse diálogo freqüentemente tenso, mas encorajador, que impulsiona a trajetória das sociedades explica em boa parte também a vigorosa evolução do nosso partido, o Partido dos Trabalhadores.
São vinte e cinco anos de lutas e debates em busca de um Brasil mais justo e digno. Lembro-me sempre, com carinho, da primeira bandeira do PT feita lá em casa, em São Bernardo, onde começamos a nos reunir em pequenos grupos depois das greves de 1978 e 1979, justamente para extrair lições daquelas lutas. Uma delas foi a necessidade de construir no Brasil um partido que expressasse de fato os interesses dos trabalhadores e das grandes massas do campo e das cidades.
Foi nessa época que a Marisa costurou uma estrela branca no fundo vermelho de um tecido italiano, guardado durante anos numa gaveta, quem sabe para fazer um vestido. Foi a nossa bandeira, idealizada nos seus rabiscos originais pelo saudoso Julinho de Grammont e alguns outros companheiros. Depois, começamos a estampar camisetas com o mesmo símbolo para arrecadar recursos na campanha de filiação.
Assim nasceu o PT: uma mistura de lutas concretas, muita discussão e o sonho de um futuro melhor estampado com carinho e coragem num retalho de pano vermelho, iluminado por uma estrela branca. Em 1982, surgia o genial “oPTei”, criação do também saudoso Carlito Maia, que traduziu de forma tão forte e direta a opção por um partido novo e promissor.
Esses mesmos ingredientes estão presentes hoje na singular experiência do partido que chega ao poder numa sociedade marcada por desafios seculares, responsáveis pela tensão inevitável entre os limites do Estado e as justas demandas da grande maioria do nosso povo.
Não vejo aí, porém, uma ruptura na dinâmica de construção do PT. Ao contrário. A experiência do poder apenas acelera e aprofunda o velho diálogo iniciado lá atrás entre fatos e idéias, submetidos ao implacável escrutínio da prática política que nos ensinou uma lição de enorme atualidade: podemos sempre modificar as velhas circunstâncias de uma sociedade, mas não podemos jamais esquecer que elas existem.
O PT, portanto, tem lastro democrático para enfrentar as contradições previsíveis do exercício do poder, como está fazendo. Sabemos por experiência de vida que mudanças sociais profundas não derivam do voluntarismo estatal, mas decorrem da capacidade de luta de cada povo para transformar o Estado, e suas políticas, no agente efetivo dos interesses majoritários.
Esse aprendizado que começou no chão da fábrica é o grande fiador dos sonhos e inquietações que, felizmente, continuam a povoar o interior do nosso partido. Eles são indispensáveis para dar conta da grande tarefa republicana do nosso tempo, que é colocar a máquina produtiva do século XXI a serviço da igualdade social negada no século XX. Trata-se em última instância de continuar consolidando uma agenda histórica desbravada intuitivamente pelos movimentos e lutas que marcaram a política brasileira nas últimas décadas convergindo para a criação do PT.
O anseio por democracia, então, encontrou o clamor de justiça social nas ruas, nas fábricas e nos campos para formar uma daquelas correntezas humanas que não deixam à história nenhuma outra opção senão apressar o passo em direção à mudança.
O mundo rangeu algumas vezes nestes últimos vinte e cinco anos. E o que ele disse através de deslocamentos políticos e econômicos decisivos veio reforçar a certeza de que no geral fizemos as escolhas corretas desde o início. A queda do Muro de Berlim, por exemplo, oito anos após a criação do PT, tornaria ainda mais evidente que um capítulo da História havia se esgotado, deixando em aberto o grande desafio progressista do futuro: restaurar o elo perdido entre o ideal da liberdade e os valores da tradição igualitária e humanista na era da globalização.
O PT não foi apenas o estuário precursor dessa busca, mas tem nela o motor da sua evolução. Devemos nos orgulhar dessa trajetória – e não apenas isso. É crucial mantê-la a salvo de sínteses ilusórias, baseadas em “verdades definitivas”, sejam aquelas inspiradas em lógicas contábeis, ou projeções idealizadas da realidade, tantas vezes já desmentidas pela emergência avassaladora dos fatos e da criatividade humana.
Não se trata, evidentemente, de render-se ao império das circunstâncias, tampouco transformar a necessidade em virtude. Nada mais distante disso do que a fidelidade à experiência das lutas concretas, sedimentada pelo debate plural e democrático. Ela tem assegurado ao PT uma bússola mais poderosa que qualquer outro modelo que pretenda explicar e patrocinar o futuro com o pé fora da realidade e a cabeça alheia às lições do passado.
Estou convencido de que a justiça social é a nova fronteira da soberania no mundo da globalização. Mas para que ela se imponha diante das forças avassaladoras do espaço mundial, é necessário um avanço da democracia participativa na vida dos povos, na arquitetura dos Estados nacionais e nas instâncias decisórias do poder internacional.
A busca dessa síntese determina uma incontornável vocação para a pluralidade e o desassombro diante dos valores da vida contemporânea. Ela permite ao PT, entre outras coisas, enxergar-se como parte desse processo em curso, portanto causa e efeito das inquietações, lutas, sonhos e idéias que vão lapidar as formas de viver e de produzir no século que se inicia.
Tal característica inaugurou uma nova cepa partidária no universo da esquerda brasileira e mesmo mundial. Não há nada no PT que se confunda com a organização monolítica espelhada na polaridade dos modelos partidários egressos da “guerra fria”. Ao contrário, nossa singularidade reside exatamente em estimular aquilo que o raciocínio de apenas duas unidades rejeita e a ortodoxia desvaloriza: a ação democrática das bases, a reflexão plural do sujeito coletivo, a síntese cosmopolita e a aversão a tudo o que calcifique e impeça a livre criatividade da existência humana.
É impossível determinar previamente todos os passos e riscos embutidos nessa trajetória, mas é inegável que eles existem. Melhor enfrentá-los, porém, do que trilhar o caminho inverso e trocar a rica diversidade que nos define por dogmas mais afeitos à claustrofobia das seitas e dos interesses que engessam a sociedade. Os atritos inerentes a esse caminho não são maquinações de mentes diabólicas, nem ciladas de um enredo previamente arquitetado. Antes, refletem embates estratégicos – práticos e teóricos – que se dão nas condições concretas da História, num quadro mundial desafiadoramente arredio às decisões soberanas tomadas nos circuitos de poder herdados do passado.
É na tensão desafiadora desse cenário que se deve analisar o duplo processo em curso no espaço político brasileiro. A construção da identidade do PT no poder acontece simultaneamente à efetiva realização de um novo projeto de desenvolvimento para o Brasil na era da globalização. Essa é a grande obra político-social que está em andamento no nosso país.
E essa dupla edificação – e duplo aprendizado – não diz respeito apenas aos quadros da nossa militância, nem será resolvido nos estritos limites da vida partidária. Trata-se, na realidade, de um grande embate entre fatos e idéias que pede a arregimentação de todas as forças democráticas do país. Isso porque, no fundo, o que está em jogo não é apenas o futuro do PT, mas sim a capacidade transformadora da democracia no século XXI. Ou seja, seu poder de ancorar materialmente as transformações sociais requeridas pelo desenvolvimento e cobradas pela cidadania.
Até as eleições presidenciais de 2002 esse problema só poderia ser colocado no plano das idéias, mas não dispunha de um chão concreto para ser argüido no calor dos fatos. Temos agora juntos – governo, partido, trabalhadores, intelectuais, artistas, juventude e todas as forças políticas progressistas da sociedade – a oportunidade de contribuir para uma nova síntese histórica. Desse esforço coletivo, tenho certeza, surgirá um PT renovado e mais forte. E, sobretudo, emergirá também um Brasil verdadeiramente republicano, mais justo e melhor para todos.
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