As vítimas do gatilho

10 de novembro de 2005 As vítimas do gatilho

No último dia 29 de setembro, Rosimeire Oliveira Cirino, de 14 anos, foi morta quando voltava para a sua residência em Juazeiro do Norte. Em 19 de março de 2002, Francisca Nilza de Araújo foi assassinada na cidade de Tarrafas no interior do Estado. Em 12 de fevereiro de 2001, também em Juazeiro do Norte, quem teve a vida criminosamente ceifada foi Iana Sinara Leandro de Sousa. Esses crimes praticados em anos diversos guardam trágicos traços em comum. Além de terem acontecido em cidades do Cariri cearense, eles foram cometidos a tiros de revólver. Os assassinos ou principais acusados dos assassinatos não eram ladrões, nem pistoleiros. Eles eram maridos, companheiros ou namorados das vítimas.

Esses casos ilustram uma realidade preocupante para as mulheres caririenses, mas tampouco estão isolados da realidade nacional. Segundo dados do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, nas capitais brasileiras, 44,4% das mulheres vítimas de homicídios em 2002 foram mortas com armas de fogo (Iser, 2005: com dados do Datasus, 2002). Em homicídios e tentativas de homicídios com arma de fogo, mais da metade das mulheres vítimas (53%) conheciam seu agressor. E mais de um terço (37%) dessas mulheres tinham uma relação amorosa com seu agressor. (Iser, 2005: com dados das Delegacias Legais do Rio de Janeiro entre 2001 e 2005).

Em muitos lares brasileiros ainda é bastante comum os homens se arrogarem o direito de controlar comportamentos femininos, o que inclui horários, roupas, direito de ir e vir ao trabalho ou ao lazer, autorizações para relações de amizade ou meras conversas. O ”descumprimento” de tarefas domésticas, consideradas dever exclusivo delas, também faz com que muitas mulheres sejam castigadas. Nesses contextos marcados pela violência de gênero, a presença da arma de fogo só põe ainda mais em perigo a vida das mulheres, levando em consideração o alto índice de letalidade por ferimentos à bala. Facas, paus e pedras também são usados em agressões, mas armas de fogo são muito mais letais: de cada quatro feridos nos casos de agressões por arma de fogo, três morrem.Quem atira, em geral, o faz para matar.

Como se não bastasse a vitimização direta pelas armas, as mulheres são atingidas por esse crime de outras formas. Elas também são as principais responsáveis pela prestação de cuidados a pessoas feridas com armas de fogo, incluindo apoio psicológico e econômico em famílias e comunidades devastadas pela violência. Lembremo-nos que o cuidar também é considerada atividade eminentemente feminina em nossa sociedade. Além disso, o número de mulheres que perdem filhos ou ficam viúvas como conseqüência dessa violência cresce todo ano, afinal a arma de fogo é a primeira causa de morte de homens jovens no Brasil. Elas acabam, assim, assumindo a manutenção de seus lares sozinhas.

O referendo sobre a comercialização legal de armas de fogo no Brasil no próximo dia 23 de outubro é uma oportunidade única da população brasileira, em especial as mulheres, colaborar para a diminuição dos crimes praticados em nome do machismo, da misoginia. Dizer sim à proibição é ajudar a tirar das mãos dos cidadãos comuns um instrumento que só causa morte e dor.

*Artigo publicado na edição do dia 11 de outubro no Jornal O Povo

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