Erramos. O partido errou.

Senhor Presidente, Senhores Deputados, Senhoras Deputadas e todos aqui presentes.
Tomo hoje a palavra nesse plenário em um momento muito difícil da minha vida política. Como militante do Partido dos Trabalhadores que sou, desde a juventude, vejo-me obrigada a fazer um desabafo, e expor publicamente a apreensão e a perplexidade que me acompanharam nessas últimas semanas. Mas é também como militante de esquerda, engajada nas lutas sociais e democráticas que marcaram a história dos movimentos populares nesse país, que desejo fazer a defesa do Partido ao qual, com muita honra, pertenço.
Erramos. É necessário ter a grandeza e a humildade para admiti-lo. O partido errou. Não me refiro àqueles que, pelas costas do Diretório Nacional, e traindo a confiança de eleitores e militantes, apropriaram-se de recursos escusos e ilícitos para fins eleitorais. Esses erraram demais. E não tenho dúvida que os culpados sofrerão, com o devido rigor, as punições jurídicas e políticas que lhes couber. O Partido dos Trabalhadores está disposto a cortar na própria carne, doa a quem doer – como tantas vezes tem enfatizado o próprio presidente Lula.
Aos corruptos, que seguramente serão identificados no decorrer das várias investigações que já estão em andamento, os rigores da lei: terão que prestar esclarecimentos não apenas à justiça, mas também à sociedade, e, particularmente, à militância petista, que cobra, mais do que qualquer outra, a apuração das denúncias.
Mas nós, mesmo nós, que não estamos envolvidos com nenhuma irregularidade, dirigentes cujos nomes e histórias estão livres de denúncias e acusações; nós erramos. Não pelo que fizemos, mas pelo que deixamos de fazer. Fomos pegues de surpresa, tomados de espanto e indignação diante de fatos que não tínhamos o direito de desconhecer. Esse é o momento em que o Partido dos Trabalhadores não pode fugir ao questionamento: como membros notórios da cúpula do partido puderam se desviar tanto dos princípios éticos que sempre guiaram nossa história política? Como alguns dirigentes, companheiros que eram nossos conhecidos, puderam acumular tamanho poder, centralizar semelhante capacidade decisória, a ponto de montar um esquema milionário que passava virtualmente invisível para a grande maioria do partido? Onde estavam, por que e como falharam, os mecanismos de controle e fiscalização interna? Por que deixamos a desejar justamente nos quesitos de democracia e transparência, que sempre nos foram tão caros?
A militância do PT não merece isso. Os mais de 800 mil filiados, companheiros de todo o país, que acompanharam estarrecidos pela grande mídia notícias que nunca imaginaram que pudessem ser verdades, não merecem isso. Não no governo do PT, não envolvendo pessoas do PT. E eu, que constantemente estou em contato com a base, em reuniões, visitas, seminários, encontros, testemunho a incredulidade de perto, a incredulidade estampada na cara do povo. E muitos vêm falar comigo, com os olhos encharcados de lágrimas: dizendo que não acreditam, que aquilo não pode ser verdade, e perguntam-me como tudo isso foi acontecer.
Pessoas simples, que apostaram todas as esperanças na vitória dos trabalhadores, na vitória do povo, e do Presidente Lula. E eu, muitas vezes me emociono com elas; confesso ali minhas inseguranças, a minha própria tristeza e abatimento, e no abraço de companheiros encontramos força para continuar lutando. Isso, Sr. Presidente, Senhores Deputados e Deputadas é porque o PT tem militância! E militância combativa, consciente que vai à luta, que vai às ruas, que não aceita! Uma militância digna, que não aceita nem tolera corrupção! E que nos olha diretamente nos olhos, e cobra resultados, cobra investigação, cobra mudança! Esse é o PT: é o verdadeiro PT, que está nos bairros, nos locais de trabalho, nas universidades, que trabalha dia após dia para construir um Brasil melhor, e acredita que é possível construir uma sociedade mais justa e democrática. E é a esse PT, senhores deputados e deputadas, que eu sirvo, como combatente leal, como humilde delegada do povo.
Há mais de 25 anos, quando eleger um operário era ainda sonho distante, e vivíamos sob o autoritarismo de uma ditadura militar, o presidente Lula, então líder sindical, já enfatizava a necessidade de criar um partido onde “o trabalhador pudesse participar ativamente de sua organização, não apenas recebendo a coisa de cima para baixo, participando da organização do programa e dos princípios do partido”. O PT de hoje é fundamentalmente o fruto dessa tentativa. É o resultado de um processo coletivo e democrático que priorizou a participação popular e a formação política das camadas menos favorecidas da sociedade. Em toda a nossa trajetória, acumulamos sucessos e fracassos, e fomos aprendendo duramente com nossos próprios erros. Se é verdade que o poder nos mudou, é mais verdade ainda que nós mudamos o poder. Participamos e contribuímos para o amadurecimento da sociedade civil e amadurecemos junto com ela. Se o objetivo inicial que guiou e animou nossa caminhada nunca foi plenamente atingido, não houve esforço maior que o nosso para atingi-lo: um partido genuinamente representante dos interesses populares.
É preciso também admitir que o pragmatismo político, muitas vezes precipitado, nos levou a cometer erros estratégicos. Na pressa de construir um governo popular, que o sofrido povo brasileiro necessitava tão urgentemente, permitimos uma burocratização do partido, com excessiva centralização e exagerada autonomia de membros da cúpula. Nos deixamos seduzir pela tentação de campanhas caras e midiáticas, contribuindo para a tendência de espetacularização do processo eleitoral no Brasil, descuidando da formação política de base e do debate programático, e endividando o partido para além da sua capacidade orçamentária.
Desse cenário, um pouco por apatia e conivência, e um pouco pelo nível de desgaste e comprometimento que os grandes quadros do partido sofreram decorrido da dura tarefa de
administrar o país com responsabilidade e eficiência, resultou um certo esfacelamento da base partidária; com os anseios e sentimentos imediatos da militância cada vez mais afastados das grandes decisões da direção partidária.
Por isso, sou da opinião de que esse momento não exige apenas um expurgo ético, mas também uma revisão da própria estrutura partidária.
É vital que o PT se reencontre com sua identidade ética; mas é também fundamental que resgate seu papel de mobilizador político e social; que reafirme o seu caráter de elaborador de propostas programáticas a partir da mais ampla e plural discussão política; que revitalize suas instâncias e que paute sua agenda política, mesmo que parte dela não coincida com a agenda do governo, que é de coalisão.
Essa reorganização interna, que muitos já chamam até de “refundação do PT” é necessária até para fazer frente aos inúmeros ataques da direita, em sua maioria caluniosos, cujo único objetivo é desestabilizar o projeto popular representado pelo governo do Presidente Lula.
À direita não interessa o combate à corrupção: a corrupção é seu terreno natural, onde ela mais se sente à vontade, e de onde sempre se alimentou. De fato, boa parte do rancor oposicionista, histérico e estúpido, explica-se pela abstinência: foram subitamente separados da chave do cofre, com o qual conviveram por tanto tempo, e com tanta intimidade, que já consideravam propriedade pessoal.
Obviamente, quanto mais a corrupção é investigada, mas ela aparece, e esse é um preço que o PT optou por assumir. Há um risco político considerável de passar de uma situação onde tudo é abafado e acobertado, para outro onde até os membros do próprio partido podem ser postos em suspeição. O que o PT tem a perder é muito, mas o que o país tem a ganhar é maior ainda. Lembremos que as próprias denúncias do deputado Roberto Jefferson, que desencadearam a atual crise, foram uma resposta clara à recusa por parte do governo em encobrir a corrupção do petebista.
A acusação de que nunca antes a corrupção foi tão grande é ridícula, irresponsável e descabida por uma série de razões. Não há nenhum indício comprobatório que ligue o Governo aos empréstimos concedidos ao então tesoureiro do PT pelas empresas de Marcos Valério. As investigações estão transcorrendo sem a menor interferência do Planalto, ou melhor ainda, com sua incondicional cooperação e apoio. E, por fim, pode ser desmentida facilmente pela simples consulta a qualquer jornal da época dos governos anteriores, quando a corrupção era pior, maior e rotineira.
As evidências, agora crescentes, de que o que parte da direção fez foi adotar um esquema, ao invés de desmontá-lo, que era bem anterior à eleição do presidente Lula, e que servia originalmente a outros partidos, conforme indica o surgimento de nomes fortes da cúpula do PSDB na lista dos favorecidos por Marcos Valério, só fazem ressaltar o quanto a armadura de paladino da ética não se ajusta à oposição.
O papel que a velha direita, tradicional adepta do fisiologismo e das práticas da assim chamada “política convencional”, desempenha desajeitadamente como defensora da ética e da moral poderia ser meramente cômico. Não é; é revoltante e odioso. Porque essa hipocrisia sonsa, que consegue ser anti-ética até mesmo na pretensa defesa da ética, está a serviço dos mais desprezíveis objetivos: sabotar a possibilidade de um processo transformador das estruturas de poder no Brasil, primeiro passo para a construção de um projeto de nação, onde o crescimento econômico se dê com inclusão social e partilha mais justa da renda e riqueza nacional.
Em última análise, o que eles desejam, o que nós não podemos aceitar, é incutir na sociedade o sentimento de que a luta popular está fadada ao fracasso. É inviabilizar por pelo menos duas décadas a realização de um projeto transformador para o Brasil. É vender a mensagem, mentirosa, falsa, de que a esquerda falhou, de que a esquerda sempre vai falhar. De que quem luta pela a Reforma Agrária é corrupto, de que quem faz mobilização sindical é corrupto, de que quem luta pelo meio ambiente, por direitos trabalhistas, pelo aprofundamento da democracia, é corrupto, rouba, trai a confiança do povo.
O objetivo da direita é levar o povo ao desespero, destruindo suas últimas esperanças, afrontando seus símbolos de resistência. Entoam o mantra da apatia política, da falta de perspectivas: de que tudo se corrompe, de que os líderes abandonam os ideais, de que não há saída possível; vão para casa, desistam, se rendam.
Mas o Partido dos Trabalhadores não é um partido corrupto. Não é, nem nunca foi. Um partido corrupto não se abala com denúncias de corrupção, muito menos entra em crise. Pior ainda, nada apura e ninguém é punido. Com PT é diferente: à medida em que se indigna, supera a crise, pune os responsáveis, e assim, ficará melhor e mais forte.
O PT não é uma fraude histórica. Nossos militantes estiveram presentes em todas as lutas que o povo brasileiro travou, nos últimos 25 anos, por democracia, soberania nacional, por direitos iguais e por uma sociedade mais justa.
Nossa mensagem é outra: um novo Brasil é possível. O povo pode vencer – unido e organizado sua força é imbatível. O povo pode fazer a diferença, como várias vezes já fez ao longo da história. O povo pode e deve exercer o poder; pode e deve participar e fiscalizar as instituições democráticas pelas quais realiza sua vontade soberana. A decepção é uma possibilidade, mas não é certa.
Quando os trabalhadores e trabalhadoras acreditaram em sua capacidade, fizeram coisas maravilhosas. Os direitos, liberdades e garantias que usufruímos hoje só existem como resultados dessas lutas, mesmo quando elas não foram completamente vitoriosas. O ideal de um partido constituído e orientado pelo povo ainda é forte em nossos corações. Nesse momento, possivelmente um dos mais importantes da história do nosso partido, o que posso fazer é lançar o apelo a todos os trabalhadores, apelo que repito a cada oportunidade que tenho: participem. Ajudem a moldar um partido efetivamente à sua imagem e semelhança, que expresse os desejos e ansiedades do povo. Vamos fortalecer as organizações da sociedade civil e os espaços de participação popular, incentivando iniciativas de democracia participativa.
O Partido dos Trabalhadores é um partido plural, democrático, aberto ao diálogo e à negociação, construído localmente pela atividade de seus filiados. A única maneira de sairmos dessa crise, e com a legitimidade reconquistada, é através da democracia e da transparência. A refundação do partido precisa se dar necessariamente pela base, pelo povo; é a única maneira de que esses tristes episódios de nossa história recente jamais tornem a acontecer. E essa já seria nossa mais profunda vitória; para que ninguém nunca, nunca jamais ouse duvidar da luta dos trabalhadores.
Fortaleza, 09 de agosto de 2005
Sala das Sessões Legislativas
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